sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Causos do Judiciário Gaúcho


Um causo da Fronteira
Dois gaudérios discutiram forte, em uma estância dos arredores de Bagé, logo despôs de desencilharem as montarias, deixando os pelegos e os aperos dependurados na cerca.
Lá pelas tantas, um deles disse um desaforo e vira as costas, em direção ao galpão, com as rédeas na mão direita.
Nisso, o ôtro, furioso, desafora a mãe dele.
Era demás.
Se vira e senta as rédeas na cara do desaforento, que caiu se estrebuchando no chão.
O freio tinha batido bem na quina da testa.
Morreu três dias despôs, no hospital de Bagé.
Passa o tempo, na agonia do julgamento.
No dia do júri, o pobre gaúcho, algemado, não entende nada o que diz a Promotora, uma pinguancha muy ajeitada e jeitosa, que vira tigra na tribuna do tal de júri.
Uma morena fogosa e furiosa, que grita, apontando o dedo em riste pro gaúcho:
- Este homem matou a vítima de forma preterdolosa...
- Pelo jeito, não escapo - pensa o gaúcho.
Duas horas ouvindo a Tigra, morena de toda a crina, chamando ele de bandido, de dedo em riste.
E, naquela arenga, volta e meia dizia, de novo, a Tigra: "de forma preterdolosa..."
E o gaúcho pensava: "Deste jeito, o tal de júri vai me mandá pro quinto dos inferno..."
Bueno.
Duas horas despôs, cansô a Tigra.
Sentô, tomô um copo d'água, e finalmente deixô o adevogado do pobre gaúcho falá.
Mas continuô furiosa.
Era só olhá o pescoço da Tigra, pra vê que continuava furiosa.
O adevogado do gaúcho inicia cumprimentando todo mundo, até a Tigra.
- Barbaridade, ela me chamô de bandido a tarde intêra e ele ainda cumprimenta a Tigra - pensa, desolado, o pobre gaúcho, balançando a cabeça.
Depois de uns dez minuto de salamaleque e volteio, o adevogado pega as rédeas pra mostrá como se sucedeu o crime.
Nisso, a Tigra se empolga e faz um aparte atrevido:
- Mas, Doutor, não vai me dizer que o senhor vai imitar até o relincho do cavalo...
O adevogado, entonces, disse só uma frase.
Mas, com ela, absolveu o gaúcho:
- Não. Hoje eu vô é encilhá uma potranca...

O "causo" do diplomata...

Dois Irmãos.
1990, por aí.
8 e meia da manhã.
Segunda-feira.
Entra o oficial escrevente.
Com o sotaque carregado de alemão, diz:
- Dotôrrr..., o home não querrrr entrárrrr... Diz que tem imunidade diplomática. Axxo que é, posssudo dessse de xeijto, no mínimo, deputado federrral... E a Frau disssse que non entrra sem ele entrrrá...
Pensei: comecei bem a semana. Imagina o que me espera.
Ou, como diria o o oficial escrevente prussiano (e surdo, pra complicá): o que vai piorrrá.... de segunda até sexta....
Disse: diz pra ele que não existe imunidade diplomática em separação judicial. Quando ele estava saindo da sala de audiências para explicar e apregoar de novo, pra simplificá, repeti: em separrração judicial non essisste....
Bueno.
Entram os dois.
O posudo (possssudo, segundo o oficial escrevente prussiano) e a Frau.
- Bom dia.
- Bom dia, responderam os dois, embora de cara amarrada.
Perguntei, pra descontrair:
- O senhor é deputado federal?
- Non, sô verreador em Son Valentim...
Me segurei pra não dá risada e disse:
- Ah, bom. Não existe imunidade diplomática nesse caso.
Então, meu amigo, ele me dá uma resposta que quase derrrrruba a Frau:
- Bom, dotôrrr.... se non exissste imunidade diplomática nesste caso, o povo de Son Valentim querrr saberrr quem foi que pulou a janela do quarrrto pelado quando eu entrrrrei no larrrr conjugal.
Meu amigo, foi uma luita.
Eu, o advogado da Frau e até o oficial escrevente prussiano (que servia de tradutorrrr), tentanto botá na cabeça do vivente diplomata que o povo de Son Valentim non querrria sabê quem tinha pulado a janela do quarrrto conjugal quando ele entrrrou na casa dele e da Frau.
Ele insistia.
- O povo de Son Valentim tem o dirreito de sabê.
Bueno.
Então, eu disse:
- O senhorrr já pensou que, se o tal vivente se candidatá em Son Valentim, pode levarrr a Frau e também os seus votos....?
O diplomata pensou dois ou três segundos.
Olhou pra Frau e disse:
- A Frau, esssssa aí, ele pode levá.... os meu voto, não.
E assinou, na hora, a separação amigável.

"O causo do namoro do gaúcho..."
Anos 70.
Numa fria madrugada de sábado em São Borja, um pobre gaudério foi preso em flagrante.
Seu crime: "furto" de uma égua, dizia o inquérito policial.
Cadeia pro gaudério.
Na segunda, o juiz recebe o flagrante (parece que, na época, o flagrante era recebido só na segunda; me corrijam os mais velhos).
Fica com pena do gaudério. Concede a liberdade provisória, chama um advogado conhecido dele e diz:
- Acha uma solução pro pobre gaudério.
O advogado (o Flores, amigo de todos nós, hoje juiz aposentado), diz pro gaúcho:
- Só tem uma solução, vivente. Diz que tu tava "meio apertado" e por isso te "entreverô" com a égua.
O gaúcho não teve dúvida:
- Isso, não, dotôr. Isso, não.
O Flores, então, diz:
- Tu não vai me dizê que tu nunca "barranqueou" uma égua...
O gaúcho, então, responde:
- Dotôr, tu mundo já fez isso. Garanto que até o senhor... Mas isso ninguém admite.
O Flores deu uma risada, não disse nem que sim, nem que não, e mudou de assunto.
- Olha, vivente, ou tu diz que tava "entreverado" com a égua, ou é cadeia. Tu escolhe.
O pobre gaúcho ainda resmunga:
- Mas aquela égua baia matunguenta... que barbaridade.... Como é que vou dizê uma côsa dessas.... Não tem ôtro jeito, dotôr?
- Não, disse o Flores.
- Bueno, se não tem ôtro jeito... Mas o juiz não vai vê a foto da égua?
- Não, fica tranquilo, vivente. No inquérito não aparece a foto da égua. Todo mundo vai achá que é uma potranca lindaça, não uma égua matunguenta.
- O senhor me garante?
- Te garanto, vivente. E te garanto que aí tu tá absolvido.
Como o juiz previa, o Promotor denuncia e queria porque queria cadeia pro gaúcho.
No dia do interrogatório, o juiz pergunta:
- Então, seu Emerenciano, o que que houve naquela madrugada?
O gaúcho olha pro juiz e despôs pra secretária. Fica sem jeito, o coitado. Não tinha coragem de dizê uma barbaridade daquelas na frente de uma mulher. Então, olha pro Flores, que só faz um sinal, como quem diz:
- Desembucha, vivente.
Muito sem jeito, o gaúcho começa.
- Olha, seu juiz.... eu não sei como contá... é que eu tava meio apertado.... e sem dinheiro pra aparecê no chinaredo... entonces.... o senhor entende... o senhor é home... todo mundo já fez isso...
O juiz viu que era hora de interromper o gaúdério e diz:
- O senhor quer dizer que tava de namoro com a égua?
O gaudério olha pra secretária, baixa a cabeça e muito sem jeito, diz:
- Pôs parece que foi isso...
O juiz trata de encerrar o interrogatório, antes que o gaúcho repita: "todo mundo já fez isso".
E absolve o gaudério citando versos de amor de Shakespeare.
Obs: matunguenta, pra quem é da cidade e não sabe, é "velha", em linguagem gaudéria.

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